Quem já precisou ir ao Poder Judiciário para ver garantindo algum tratamento médico já se deparou com a expressão reserva do possível. É uma arguição muito comumente utilizada pelos advogados do Estado. Alguns juízes são adeptos de tal teoria e chegam a negar remédios e tratamentos médicos para brasileiros sobre tal argumento. A teoria da reserva do possível revela a hipocrisia do Estado brasileiros e de alguns de seus agentes.
A teoria da reserva do possível diz que os recursos públicos são escassos e limitados. Não é possível, pois, garantir tratamentos a todos os que precisam. A hipocrisia estatal diz que há que se fazer escolhas. Infelizmente, dizem, não há recursos para todos.
Quanto vale a vida de um brasileiro?
Recentemente o Brasil passou a discutir o preço do tratamento para Atrofia Muscular Espinhal – AME, a ser feito com a medicação Zolgensma. O preço do remédio chega ao absurdo preço de R$ 12 milhões de reais.

A criança Helena Gabrielle, que mora em Goiás, no entorno de Brasília, é uma das crianças diagnosticadas com Atrofia Muscular Espinhal. Pobre e negra, não consegue o acesso à medicação.
A Advocacia Geral da União e um Juiz Federal em Goiânia defendem que a medicação é muito cara. Que a reserva do possível impede o fornecimento do remédio Zolgensma.
Ainda que não tenha sido, expressamente, dito isso, as autoridades públicas até agora entendem que a vida de Helena Gabrielle não vale R$ 12 milhões de reais.
A pergunta que precisa ser respondida é a de quanto vale a vida de um brasileiro.
Quanto dinheiro a corrupção e a desorganização custam ao Brasil?
Em 2017, o Ministério Público Federal informou que o Brasil perde cerca de DUZENTOS BILHÕES DE REAIS por ano com a corrupção[1].
Ao mesmo tempo que a União e a Justiça Federal em Goiânia alegam que a vida da pobre e negra Helena Gabrielle e, por certo de nenhum brasileiro, vale DOZE MILHÕES de reais, levantamento do Conselho Nacional de Saúde[1] diz que o Ministério da Saúde não investiu TRÊS BILHÕES E QUATROCENTOS MILHÕES DE REAIS destinados ao combate à Covid-19.
Quando da confecção deste artigo, mais de 170.000 (cento e setenta mil brasileiros) já haviam morrido em decorrência da Covid-19.
Certamente, caso os TRÊS BILHÕES E QUATROCENTOS MILHÕES DE REAIS houvessem sido investidos, muitas vidas teriam sido salvas. Para o Brasil, essas vidas que poderiam ter sido salvas não atingiam o valor financeiro que os gestores julgam que vale uma vida.
O Brasil possui cerca de 15 milhões de testes para Covid-19 em vias de terem o prazo de validade expirados. O prejuízo é estimado em UM BILHÃO E QUINHENTOS MILHÕES DE REAIS[1].
Hipocrisia
O Brasil é um país rico e que carrega o peso da corrupção e da desorganização estatal.
A Advocacia Geral da União e as procuradorias dos estados e do Distrito Federal são muito eficazes para tentar impedir que crianças com Helena Gabrielle tenham garantidos os direito à saúde e à vida. Não mostram a mesma eficiência para impedir o ataque que os cofres públicos sofrem por parte dos corruptos. Raramente se ouve dizer que os “advogados do Estado”ajuizei ações para recuperar o dinheiro perdido para a corrupção e para a desorganização.
Em tal cenário, invocar a reserva do possível para deixar brasileiros que precisam do Sistema Único de Saúde morrerem à míngua é um exemplo perfeito e acabado da hipocrisia.
O que diz a Constituição Federal?
A maioria das decisões judiciais é no sentido de que a negativa no fornecimento de medicamento ou procedimento urgente, que possa levar o paciente à morte, implica em desrespeito ao direito fundamental de acesso universal e igualitário à saúde, garantido constitucionalmente, que é de responsabilidade do Estado.
A Constituição da República inseriu o direito à saúde no artigo 6º, entre os direitos e garantias fundamentais, assim como a Lei nº 8080/90, que implantou o Sistema Único de Saúde, estabeleceu no artigo 2º que a saúde é um direito fundamental. Neste caso, verifica-se que a natureza do direito protegido impõe ao Estado brasileiro providências no sentido de cumprir fielmente o que foi imposto pela Constituição.
Em resumo, a vida não tem preço. A vida tem dignidade que supera qualquer interesse orçamentário subalterno e imoral que possam ser invocados pelos agentes públicos responsáveis por proceder a defesa dos entes federativos.
Como ajudar Helena Gabrielle?
A família de Helena Gabrielle tem buscado realizar uma campanha de arrecadação de fundos para aquisição do remédio. A medicação é a única capaz de salvar a vida da criança.
Infelizmente, a sociedade ainda não aderiu a campanha da forma que se espera. As autoridades públicas ainda não demonstraram nenhuma empatia para com a criança negra e pobre, diferentemente do que já aconteceu com outras crianças, de classe média e brancas. Enfim, o racismo estrutural.
A Novartis até agora não demonstrou qualquer sensibilidade para com as crianças negras e pobres que precisam da medicação. Responsabilidade social é algo que parece não fazer parte do vocabulário da empresa.
Se quiser ajudar a pequena, pobre e negra Helena Gabrielle, veja como fazer no perfil de sua rede social no instagram: @ame.helena

[1] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/11/27/entidade-diz-que-brasil-tem-15-milhoes-de-testes-de-covid-que-podem-vencer-ate-marco-de-2021.ghtml
[1] https://www.metropoles.com/brasil/saude-nao-investiu-r-34-bilhoes-liberados-em-maio-para-combate-a-covid-19
[1] https://istoe.com.br/brasil-perde-cerca-de-r-200-bilhoes-por-ano-com-corrupcao-diz-mpf/